Do sinfa.org.br
Por: Renardy Pereira Ericeira*
Os verdes campos da Baixada Maranhense já foram cantados por inúmeros poetas e continuam a impressionar os viajantes e turistas que por ali passam. Formam uma imensa área verde, à beira dos lagos, igarapés e lagoas, onde o gado se espalha, à vontade, no verão, e as águas dominam no inverno, semelhante ao que ocorre no pantanal mato-grossense. É uma paisagem que provoca emoções nos espíritos sensíveis.
Desde criança, acostumei-me a ouvir dizer e ver esses campos como terras públicas, campos naturais, terras de ninguém e ao mesmo tempo de todos e para o uso público. De repente, a ganância dos homens se assanhou e o arame farpado alterou toda a paisagem da Baixada. Os campos foram privatizados na marra, ao bel prazer da ampliação dos limites de propriedades.
O Maranhão se apresenta como um dos estados da federação que ocupa um dos primeiros lugares no que se refere aos conflitos no campo causados em torno da disputa da terra. Da primeira metade do século XX, para a atualidade, os conflitos vêm adquirindo diferentes contornos, de acordo com as modificações apresentadas pela conjuntura fundiária.
Após a Lei de Terras de 1969, os conflitos no campo maranhense aumentaram, principalmente em função das abusivas cobranças de renda ou foro e da exploração dos produtos extrativistas. Durante as décadas seguintes, os conflitos no campo maranhense são ainda mais agravados em razão do aumento da prática da criação de búfalos nos campos inundáveis da Baixada.
Os conflitos se agravaram ocasionados por confrontos sangrentos entre fazendeiros, pistoleiros e pequenos agricultores. Com a chegada do búfalo, desencadeou-se o processo de cercar os campos públicos naturais por fazendeiros em busca de novas áreas à expansão dos criatórios dos rebanhos.
Inicialmente, a chegada dos búfalos no Maranhão era apresentada pelos governos como a redenção econômica da Baixada. A visão desenvolvimentista do Governo do Estado fez introduzir nos campos naturais o rebanho bubalino. Nos anos 1960, o Governo incentivou a importação de búfalos para o Estado com o apoio da SUDAM e Embrapa; o Banco do Estado do Maranhão (o extinto BEM) financiou os criadores para adquiri-los.
Os búfalos vieram, principalmente, da Ilha de Marajó. As lagoas de água doce no período de estiagem e o campo alagado no período chuvoso pareciam ideais para a criação do animal, uma vez que as características da vegetação assemelham-se àquela da ilha, de onde os búfalos procediam. Porém, não foi feito nenhum estudo para se saber como esses animais se comportariam nessa região, não foram levados em consideração os aspectos ambientais, suas peculiaridades, as questões comportamentais dos búfalos, nem a presença de grupos sociais que ocupam e se mantém com os recursos naturais do local.
O fato dos campos naturais da Baixada Maranhense não se constituírem em o habitat natural do búfalo trouxe conseqüências avassaladoras para o ecossistema, além das sérias conseqüências econômicas, sociais e políticas aos trabalhadores rurais que vivem e trabalham nessa região. Os criadores, em geral, deixam os animais soltos no campo e só os recolhem para o abate.
A criação dos búfalos soltos nos campos naturais, permitindo aos animais vaguearem livremente, traz sérias conseqüências ao meio ambiente e, conseqüentemente, ao homem do campo, sendo possível citar, entre outras:
• Reduz a qualidade dos sistemas hídricos, pois a concentração de grandes rebanhos compromete a qualidade da água, na medida em que expele excrementos e aumenta a taxa de gases tóxicos dissolvidos na água;
Tornando-a imprópria para o consumo humano e prejudicando os peixes;
• A vegetação é destruída pelo pisoteio e pelo deslocamento do animal
que remove a cobertura vegetal, prejudicando, assim, o pasto dos outros
animais, como o gado bovino;
• Provocam grandes prejuízos aos trabalhadores, pois além de tornar a
pesca mais difícil, destrói os instrumentos de pesca e embarcações dos
pescadores;
• Invadem e destroem as áreas de cultivo.
A Constituição do Estado do Maranhão, no artigo 24, diz que os campos naturais inundáveis das Baixadas Maranhenses são reservas ecológicas. O Decreto nº 11.900/91 do governo estadual criou a Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense com objetivo de disciplinar o uso e ocupação do solo, dentre outros objetivos, submetendo-o às legislações estaduais e federais relativas ao meio ambiente, à fauna, à flora, às águas e belezas cênicas e paisagísticas da natureza. Lei estadual que veio em seguida ratificou o mesmo privilégio e o propósito de proteção aos campos da Baixada.
Mas, apesar dessas previsões legais, os órgãos e instituições oficiais silenciam, as autoridades municipais se calam as cercas vão se estendendo, apoderando-se do verde, já ofendido pelos predadores lombos pretos dos búfalos.
Segundo fui informado por alguém que entende do assunto, a justificativa para esse aumento das áreas particulares deu-se por conta da participação e conluio de donos de cartórios. E com o apoio desses cercam-se as enseadas e as áreas do campo são devoradas pelo arame farpado. E lá se vão às reservas ecológicas por água abaixo, quando deveriam estar livres para receber as águas e ficarem por cima da ganância de proprietários insaciáveis.
E assim caminham os baixadeiros!
*Renardy Pereira Ericeira é fiscal estadual de defesa agropecuária
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