quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Tese de falha na tramitação da Ficha Limpa gera ríspida discussão no STF



Por:
Diego Abreu
Ricardo Taffner
Publicação: 23/09/2010 08:25 Atualização: 23/09/2010 08:37
Famoso por ser um tribunal de debates elegantes e de manifestações sutis das divergências, o plenário do Supremo Tribunal Federal foi ontem palco de uma discussão acalorada e de trocas de argumentos ríspidos. Após a apresentação do voto do relator, Carlos Ayres Britto, a favor da aplicação da Lei da Ficha Limpa nestas eleições, o presidente do Corte, Cezar Peluso, levantou uma questão polêmica e não prevista para a sessão da tarde de quarta-feira. O ministro destacou uma suposta falha na aprovação da Lei Complementar nº 135 no Senado Federal. Segundo Peluso, os tempos verbais das alíneas foram alterados pelos senadores e, por isso, o projeto deveria seguir para uma nova votação na Câmara dos Deputados, o que não aconteceu. “Evidentemente, as mudanças não podem ser consideradas emendas de redação”, afirmou.

Peluso disse ter ficado “perplexo” em virtude dessa hipótese não ter sido levantada nas análises feitas anteriormente pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a lei. Ele destacou que as alterações no conteúdo de um projeto por uma das casas do Congresso Nacional devem ser remetidas à outra para uma nova apreciação. Como isso não ocorreu, a norma deveria ser invalidada. A emenda do senador Francisco Dornelles (PP/RJ) mudou a conjugação dos verbos do pretérito perfeito para o futuro do subjuntivo, ou seja, onde existia “os membros do Congresso Nacional que tenham renunciado a seus mandatos” foi alterado para “os que renunciarem”. “Não se trata apenas de questão de português, de vernáculo”, afirmou o presidente.

Ricardo Lewandoswski, que preside o Tribunal Superior Eleitoral, disse ter consultado especialistas sobre o caso e encontrado duas interpretações: a lei só poderia ser aplicada em casos futuros, mas também poderia englobar todos que cometeram os atos previstos. “Esta última análise estava mais próxima do espírito da lei. As emendas só buscaram harmonizar os tempos verbais”, argumentou Lewandoswski. “O texto da Câmara já estava uniformizado”, rebateu Peluso.

Inconstitucionalidade
Para o presidente da corte, os ministros têm de analisar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa no que se refere à mudança de texto feita no Senado. Entretanto, essa análise não havia sido reclamada pela defesa de Joaquim Roriz (PSC). Segundo Pedro Gordilho, advogado do ex-governador, a norma é legítima, mas o Supremo deve rever a aplicação dela para casos passados, atendendo os princípios da anualidade e da irretroatividade (1). “Estamos em sede de recursos. Nenhuma ação de inconstitucionalidade foi proposta nesta casa. O texto não sofreu qualquer modificação no seu sentido original”, levantou Lewandoswski.

Se a lei de iniciativa popular for declarada inconstitucional, como indicou o presidente, ela não poderá ser aplicada em nenhum caso e será necessária uma nova tramitação do texto no Congresso Nacional. “As leis não podem ser feitas de qualquer jeito”, frisou o presidente do STF. “O Supremo só pode julgar o caso se for provocado. Um juiz não pode agir de ofício”, argumentou o presidente do TSE. Segundo Peluso, o assunto deve ser debatido no mérito do recurso extraordinário, mas outros ministros defendem uma discussão preliminar em uma questão de ordem.

Por enquanto, cinco magistrados deram a entender que são contra a possibilidade de o Supremo apreciar a alteração feita no texto do projeto — Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármem Lúcia, Lewandowski e Marco Aurélio Mello. “O Supremo não pode inaugurar de ofício uma ação direta de inconstitucionalidade”, disse a ministra Cármem. Marco Aurélio Mello, que é contrário à aplicação da lei complementar, concorda que o fato trazido por Peluso não deve ser analisado pela Corte: “Não enfrentamos essa causa, que é autônoma. Estamos complicando o julgamento”.

Quando os ânimos ficaram mais exaltados devido à discussão do tema, Ayres Britto fez uma declaração sobre a proposta do presidente que fez os próprios ministros sorrirem. “Parece um salto triplo carpado hermenêutico”, disse o relator. “Isso é muito interessante do ponto de vista publicitáro, mas não do ponto de vista jurídico”, retrucou Peluso.

1 - Garantias

De acordo com o artigo 16 da Constituição Federal, as leis que alterarem o processo eleitoral devem ser aprovadas um ano antes das eleições. Em outro ponto, a Carta Magna garante que nenhuma norma pode retroagir para prejudicar o réu, apenas para beneficiá-lo.

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